Quando mudamos para nossa casa, (digo nossa porque até então morávamos de aluguel), nosso filho estranhou muito a mudança de clima e ficava doente sistematicamente.
Numa dessas andanças de madrugada para levá-lo ao médico fui abordada por uma mãe que, muito preocupada com o estado do meu garoto, veio perguntar qual era o problema dele e eu disse que era asma.
A mocinha então veio me pedir o endereço para mandar a tia com um remédio, do tipo simpatia, para mim. Eu não acredito muito nessa história de simpatia, mas pela pouca idade da jovem e pela boa vontade resolvi dar o meu endereço para ela.
O tempo se passou e ninguém apareceu na minha casa, o que eu julguei ser normal, pois muitas vezes falamos coisas para sermos simpáticos com os outros, não significa que iremos realmente fazer.
Numa tarde fria uma senhorinha, bem pequenina bate a minha porta com o papel onde dei o endereço para a menina numa das mãos e dois embrulhos de papel toalha na outra.
Ela se apresentou e foi dizendo logo o que deveria fazer com cada um dos pacotinhos e foi se despedindo perguntei se deveria pagar alguma coisa e ela foi me dizendo que não, que essas coisas não se cobra e dizendo que na próxima lua minguante traria mais do remédio.
Na lua minguante lá estava a insistente senhora com seus pacotinhos na mão.
Dessa vez eu tinha que fazer algo para ela.
Perguntei de onde ela vinha se era muito longe, se queria dinheiro para a condução e ela disse que morava perto, que tinha vindo a pé e mais uma vez se negou a receber qualquer centavo que fosse de mim. Então ligamos o carro e fomos levá-la em casa.
Quando fomos levá-la em casa descobrimos que aquela senhora andava e muito até chegar até a nossa casa e mesmo assim se negava a receber dinheiro para voltar para casa.
Naquele momento eu percebi que estava diante de uma criatura ímpar, sem igual.
Ao longo do “tratamento” do meu filho fomos criando uma certa intimidade com aquela pessoinha tão linda.
Dona Maria Lúcia, ou Lúcia, como gostava de ser chamada era caseira em um sítio onde o proprietário mantinha um centro espírita (de onde vinha o remédio) e recebia meio salário mínimo para tomar conta e fazer todo serviço da casa. Fazia uns bicos por fora para sustentar 3 netos de uma filha desmiolada que sumira no mundo deixando seus rebentos para ela criar.
Era muito agradável quando ela vinha com o remedinho nas mãos e íamos levá-la em casa.
Nunca aceitou qualquer ajuda financeira para isso, mas se ofereceu para lavar e passar minha roupa por 1,00 a peça, seja ela qual fosse!
As roupas chegavam branquinhas e cheirosas como só a minha avó sabia fazer!
Ela usava folhas de lavanda na última enxaguada para dar aquele perfume inigualável!
Com as roupas eu tinha mais tempo para conversar com aquela pessoa de andar lento e de uma doçura na voz que mesmo as agruras da vida não conseguiu contaminar.
Era de uma sabedoria infinita, embora não soubesse nem mesmo escrever o seu nome (andava com papeizinhos com o endereço de onde deveria ir para perguntar às pessoas) e tinha uma disposição invejável para trabalhar. Andava quilômetros com suas trouxinhas de roupas na cabeça e como era pequenininha!
Durante sete luas minguantes Dona Lúcia trouxe o remedinho para meu filho e durante todo esse tempo tivemos uma relação muito prazerosa.
Sempre fiz o chá para meu filho segundo as suas recomendações sem questionar, sem tirar do pacotinho, afinal, uma pessoa tão bonita não poderia estar querendo fazer mal ao meu garoto, mas sempre fiquei intrigada com seu conteúdo e perguntava para ela, que sempre me dava a mesma resposta: Eu não sei. Quem faz é meu patrão e como ele me entrega eu passo para você.
Na última das sete luas minguantes, eu não resisti e abri para ver o que tinha dentro e tomei o maior susto da minha vida. Os pacotinhos na verdade eram recheados de dormideiras!
Isso mesmo! Dormideiras. Aquelas plantinhas que a gente encontra pelo mato e que se fecha e que na década de 70 o pessoal se drogava com ela.
Devia ter todo um ritual antes daquilo chegar até a minha casa, mas era o que menos me importava naquele momento. A verdade era que durante 6 luas minguantes eu tinha drogado meu filho sem saber.
Perguntei ao meu marido o que deveria fazer ele me respondeu que se ele já tinha tomado 6 vezes e não tinha feito mal, não seria agora que faria.
Certamente nada adiantaria falar com a Dona Lúcia sobre o remédio ou falar que na década de 70 as pessoas se drogavam com aquilo, pois provavelmente nessa época estava em algum sítio longe de todo esse agito e jamais ouvira falar sobre o assunto.
Naquele momento entendi porque dava o remedinho para meu filho e ele dormia o sonho dos anjos. Era chá de dormideira e, como o nome já diz, faz dormir. Nunca tive coragem para pesquisar as aplicações terapêuticas do chá e nunca mais espero ter que usá-las, mas a verdade é que a asma do meu filho desapareceu, a planta onde enterrava os saquinhos morreu e não se falou mais sobre o assunto, até porque eu não recomendaria o tratamento para alguma outra mãe desavisada.
O tempo se passou, meu filho cresceu, os netos dela também, mas até hoje quando a encontro na rua faço questão de abraçar e beijar essa pessoa tão linda que passou pela minha vida.
Um comentário:
que historia linda. algumas pessoas parecem que entram com o destino e o afazer certo em nossa vida. amei.
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