sábado, 28 de junho de 2008

Pequenas igrejas, grandes negócios


Aninha era uma mulata alta, bonita, bem feita de corpo, olhos verdes. Uma típica representante da mistura de raças, tipicamente brasileira.
Acontece que Aninha andava com uma gastrite que médico nenhum dava jeito.
Como Aninha tinha a mania mórbida de lanchar no Instituto Médico Legal nos intervalos da faculdade, examinar de perto cada cadáver que chegava e, quando não deixavam ele chegar bem perto, procurava logo a família para saber os detalhes sórdidos da morte do indivíduo, uma amiga atribui suas dores no estomago a uma possível possessão e convidou-a para uma sessão de descarrego em sua igreja.
Embora não acreditasse muito nisso, Aninha já estava cansada de suas indas e vinda ao médico e resolveu aceitar ao convite da colega, mas não sem antes perguntar se poderia levar uma amiga.
Adivinhem quem era essa amiga?
Eu claro.
No dia marcado lá fomos nós para tal igreja.
A primeira mancada que a Aninha deu foi quando o pastor mandou os fiéis falarem com deus em outra língua e ela, estudante do curso de Inglês/ Português, começou a contar em inglês o porquê de sua vinda àquele lugar.
A garota cutucou Aninha dizendo que não era isso, que deveria falar com deus em uma língua que só os dois entendessem.
Nós ficamos observando os grunhidos que as pessoas faziam e, como não entendemos bem como a coisa funcionava, resolvemos ficarmos caladas.
Quando chegou numa determinada hora, a menina se levantou e foi falar com o pastou que logo em seguida pediu para que Aninha se aproximasse.
Assim que Ana subiu ao palco, o pastor lhe passou o microfone e pediu que relatasse o seu problema.
Ana contou seu problema nos mínimos detalhes. Chegou até a falar do seu horário de lanche no Médico Legal.
O pastor pegou de novo o microfone e começou o processo de cura aos berros:
- Senhor essa irmã está sendo consumida pelo demo, mas o senhor a trouxe aqui para ser curada.
E a galera toda junta gritando:
- Amém senhor!
- Mas através de mim senhor, mostra o seu poder e afasta o demônio dessa irmã e faça as suas dores desaparecerem!
Nem bem o pastor terminava a frase vinha a galera:
- Glória em ti senhor!
- Essa irmã chegou aqui com uma dor no estômago que a consumia e com as suas graças será curada. Amém senhor!
E o povo gritando:
- Amém, amém.
Surpreendendo a todos o pastor lançou mão daquela bíblia enorme que fica em cima do altar e bateu com toda força na cabeça de Aninha e perguntou:
- Passou a sua dor?
E Aninha muito mal humorada respondeu:
- Não!
E o pastor repetiu todo o processo por mais 3 vezes até que Aninha cansada de tanto levar com a bíblia na cabeça tomou o microfone da mão do pastor e falou:
- Gente, eu cheguei aqui com uma dor no estômago horrível.
E a galera não podia deixar por menos:
- Amém, amém.
- E a gora estou saindo daqui com uma puta dor de cabeça de tanto levar com essa bíblia enorme nela.
Aninha, muito puta, saiu me puxando pelo braço e dizendo:
- Katia, se falar alguma coisa, apanha.
Eu que tenho 1,50 de altura e não sou boba nem nada, fiquei bem quietinha.
Até hoje a gente conta essa história e ninguém acredita, mas “meninos, eu juro, eu vi”.


quinta-feira, 26 de junho de 2008

As peripécias de Maradona

Maradona é um gatinho que nasceu na casa de uma vizinha. Nascido de uma gata angorá e um gato siamês, uma mistura que não lhe garantiu grande beleza, mas uma docilidade e meiguice infinita.
Como era muito peludo, por causa da sua descendência angorá, não sabíamos se era macho ou fêmea e resolvemos batizá-lo de Madona, porque a qualquer momento poderíamos trocar o nome por Maradona, pois a sonoridade era a mesma.
Quando filhote era um gatinho muito ativo e gostava muito de brincar. Qualquer bolinha de papel servia para que ele começasse a correr pela sala, mas era também um gatinho muito guloso e logo começou a engordar e ficar preguiçoso.
O gato se envolveu em muitas peripécias, mesmo quando ainda se chamava Madona.
Uma vez fui passar o final de semana na casa da minha mãe e Maradadona (mistura de Madona com Maradona) resolveu subir no telhado por um galho de árvore e não conseguiu descer porque começou a chover e ventar e galho desencostou da beira do telhado.
Meu marido, que estava sozinho em casa e só achara uma bermuda tão larga que não podia sequer andar porque caía, começou a ficar preocupado com o desaparecimento do bichinho e começou a chamá-lo pelo nome de Madona.
Maradadona, que nunca foi de miar muito, até para nos poupar de seu miado horripilante que ficaria mais conveniente em um gato da família Adams, a essa altura já tinha desistido de descer por onde subiu e já estava todo encharcado, resolveu miar para mostrar o seu paradeiro.
Meu marido, ouvindo o pedido de socorro do bichano, saiu em seu socorro, porém sem se esquecer de segurar a bermuda para que esta não caísse.
Quando viu que o gatinho se encontrava preso no telhado pegou um caibro e ficou segurando para que ele pudesse descer sem susto.
Lógico que ao soltar a bermuda para segurar o caibro, ela caiu na altura dos joelhos deixando-o de cuecas no quintal.
Foi então que se viu na situação ridícula de estar no meio do quintal, na chuva, de cuecas, olhando para o alto e gritando: - “Vem Madona! Vem, Madona!”
Nunca nenhum gatinho deu tanto trabalho como o Maradadona!!
Como era muito franzino, resolvemos comprar uma ração especial para ele. E ele não se fez de rogado. Comeu até se tornar um gatinho gordo, curioso e preguiçoso.
Justamente por ser curioso e gordo, sempre se metia em confusões.
Noutra feita, o lixo da cozinha começou a aparecer revirado e coloquei a culpa nele, afinal era tão guloso. Apesar de sua gulodice, Maradona tinha um paladar apurado e não entendia porque estava apanham e tendo o seu focinho esfregado em algo tão fedorento.
Uma noite nós ouvimos um barulho na cozinha e corremos para pegar o bichano “com a boca na botija” e demos “com os burros n’água”. Quando chegamos na cozinha tinha apenas um gambá enorme que se assustou com a nossa presença e escondeu o focinho entre as garrafas de cerveja.
Maradona ouviu toda a movimentação na cozinha e na esperança de comer um pouco mais de ração veio correndo para acompanhar a movimentação.
Chegando lá deu de cara com um animal desconhecido e foi aos saltitos dar-lhe as boas vindas.
Maradona quando viu que o gambá era o responsável pelas suas surras matinais, foi na sua direção, enquanto o gambá não entendia como aquela bichona, melhor dizendo aquela bicha felina estava poderia estar tentando lhe perseguir.
Mas, como sua curiosidade acaba toda vez que sacudo o pote de ração, logo voltou para casa.
Passamos dias sem ter uma só preocupação com o Maradona, apesar de achar muito estranho um gato comer os ossos do peito do frango, nenhuma preocupação a mais com o bichano, bichona.
Há uns quinze dias atrás, num sábado de manhã, acordei e abri a porta da frente, já chamando o seu nome.
Para minha surpresa entrou um filhote de gato tão feio que parecia ter sido abandonado por alguma nave espacial.
Lógico que o Maradona estava atrás dele!!
Como se tivesse encontrado o bicho na rua, sentido pena dele estar sem um lugar para se abrigar e o convidado para morar em sua casa. Simples assim.
Eu quando olhei aquele gato com orelhas que mais pareciam de uma lebre, fiquei tão horrorizada que resolvi adotar o gatinho. Também se eu não o fizesse, com aquela aparência, ninguém o faria.
O “estranho”, foi assim que o batizamos, é todo amarelo. Até os olhos!
Mas a última peripécia de Maradona foi sumir.
Anteontem à noite, saiu para dar o seu passeio noturno e fazer as suas necessidades antes de dormir entre os nossos cobertores e não voltou. O detalhe mais sórdido da história é que eu tinha acabado de servir Wiskas Sache de Salmão para ele. Pensar que o bichano tinha virado churrasco recheado de Salmão foi um pensamento nada agradável.
Na manhã seguinte eu o chamei e ele não veio para o desjejum. Fiquei logo preocupada, pois guloso do jeito que é, nunca perdia uma refeição, mas como tinha que trabalhar, fiquei torcendo para encontrá-lo na volta, o que não aconteceu, para o meu desespero.
Hoje pela manhã eu acordei com um frio da peste. Tomei meu banho, lavei a cabeça e, para não ficar resfriada sequei com secador.
Eu já estava saindo para trabalhar quando um amiguinho do meu filho disse que meu gato estava preso num barranco. Barranco? Aquilo era uma pirambeira que as chuva dos últimos dias tinha deixado pior.
Eu não pensei duas vezes e sai no meio de um temporal para ver se era o meu bebê. E pior é que era.
Sai descendo desembestada sem nem mesmo pensar como ia subir.
Quando cheguei lá em baixo, lá estava o Maradona agarrado a uma árvore caída no meio de um riacho. Peguei-o no colo e tentei subir, o que não consegui. Isso tudo depois de pular arame farpado, invadir um sítio.
O garoto que me levou até o Maradona e acompanhava toda minha epopéia, foi até a entrada do condomínio falar com um porteiro, que criava cavalos, para pegar uma corda para me resgatar.
Apesar dos meus 45 quilos, foi preciso 3 homens para me puxar!
Quando cheguei em casa não sabia se estava com mais ódio do gato ou de mim.
Dei um banho de “esfrega” no bichano com shampoo e creme condicionador, tomei meu banho e fui trabalhar. Nem precisa dizer que nada mais deu certo: Peguei a condução errada, desci no lugar errado, tive que andar dois pontos debaixo de temporal, o cliente em que ia, já tinha saído.
Eu não pensei duas vezes: Desisti de trabalhar e parei num veterinário para marcar a castração do bichano, pois fiquei sabendo que se o animal for castrado deixa de sair para a rua.
Com certeza a castração é a melhor solução.
Já pensaram nos lugares mais sórdidos em que eu possa a ter que resgatar esse gato?
Prefiro nem pensar.
Enquanto o dia da castração não chega, Maradona está em cárcere privado, sem direito a nem uma voltinha no quintal, se bem que depois do susto ele nem coloca a cara nem na janela e se percebe algum movimento estranho se mete em baixo da cama.
Já pensou se ele tem que tomar outro banho de escovinha e ser secado com secador?
Ele mesmo prefere não arriscar.

domingo, 22 de junho de 2008

A velha Ludovina


Ludovina era uma daquelas velhas chatas que não faz nada sozinha. Vive infernizando os filhos para que lhe sirvam as coisas na mão.
Passa o dia inteiro gritando com um e com outro:
- Ana! Estou com fome!
- Rita! Estou com sede!
Mas tem uma coisa que Ludovina sabe fazer muito bem: Passa o dia inteiro com uma vassoura na mão varrendo a calçada e tomando conta da vida dos outros.
Como faz muito pouco de sua vida, resolveu adotar um pé de Jamelão abandonado no terreno do vizinho. Rega e cuida da maldita árvore como se fosse a mais rara desse mundo.
O fato é que meu filho adora essas malditas dessas frutinhas que não vende em lugar algum e vive dependurado nas árvores para comer e ficar com a língua azul.
Já fiz de tudo para ele abandonar esse vício, mas não adianta. É só chegar a época de férias e as frutas começarem a amadurecerem que lá está ele pendurado em uma árvore.
O fato é que o pé de Jamelão que Ludovina cuida dá as maiores frutas do condomínio. Ela não colhe, mas também não deixa ninguém chegar perto. Quer que as frutas apodreçam, mas não pode pegar.
Eu dava aulas o dia inteiro e não tinha muito tempo para essas pequenas coisas.
Entre o turno da manhã e o da tarde, eu passava em casa para almoçar correndo e dar comida para meu filho, mas era tudo calculado segundo por segundo, se algo desse errado, estava o resto do dia ia mal.
Num daqueles dias em que tudo dá errado, eu cheguei em casa atrasada porque o ônibus não passou no horário e, para minha surpresa, meu filho não estava em casa. Foi nesse dia que Ludovina resolveu estragar ainda mais o meu dia.
Escutei uma pessoa aplaudindo insistentemente no meu portão e fui atender achando que era algum recado do meu menino e larguei a comida no fogo para atender.
Quando eu cheguei ao portão a velha foi logo vomitando as palavras com a sua boca mole: “Seu filho está falando palavrões na minha porta”.
Afinal, uma notícia sobre o paradeiro do meu menino. Pensei que poderia usar essa informação para trazer meu menino para casa. Então, falei para ela: Já que ele está na sua porta, manda ele vir para a casa que eu resolvo com ele.
Virei as costas e corri para a comida que estava queimando no fogão.
Pensei que Ludovina boca mole demoraria pelo menos uns 10 minutos até ir ao final do condomínio, provavelmente eu já teria ido embora, quando meu filho viesse para casa, mas...
Nem bem eu desliguei o fogo os aplausos voltaram a ser ouvido no portão.
Pensei que era uma outra pessoa com mais uma reclamação do meu filho, mas, para minha surpresa era Ludovina.
Com certeza aquela velha não tinha ido até o final da rua sequer para voltar tão rápido!
Mais uma vez ela vomitou a frase: “Seu filho está falando palavrão na minha porta!”
Eu sabia que o que ela queria, na verdade que eu a acompanhasse, pouco importava para ela a minha vida ou o que eu tinha para fazer naquele momento, afinal, ela estava tão acostumada a mandar e todos obedecerem.
Como eu não estava disposta a me submeter aos caprichos de uma velha rabugenta, repeti a mesma frase de antes, porém, sem a mesma paciência de antes.
Também fiquei acompanhando para ver se ela chegava pelo menos até o final da rua e ela foi se arrastando pela rua. Até desaparecer por completo.
Entrei já na captura da minha bolsa, pois a essa altura já tinha perdido o ônibus e chegaria atrasada. Foi quando ouvi de novo os aplausos no portão.
Já com a bolsa pendurada no ombro e as chaves na mão fui atender a velha, dessa vez porque estava no meu caminho.
A velha se virou e ganiu:
- Seu filho está falando palavrão na minha porta.
Num ataque de loucura, por estar atrasada, por não ter conseguido tirar o meu atraso em casa pelas inúmeras interrupções de uma velha que não tem o que fazer além de perturbar as pessoas que têm o que fazer, eu falei calmamente:
- Porra, puta que pariu, caralho! Eu já falei para esse moleque não falar palavrão!
A velha me olhou com aquela cara de espanto e de quem não acredita seriamente no está ouvindo e sai sem dizer mais nem uma palavra.
Nem precisa dizer que a minha má fama correu pelas ruas do condomínio, mas, pelo menos, não perturbou mais o meu filho, pois, para ela ele passou em fração de segundo de acusado à vítima.
O coitadinho era criado por uma mãe desbocada e não poderia falar de outra maneira e apenas Jesus poderia trazer a ele algum conforto.
Claro que a minha intenção não era essa, mas me saiu melhor do que a encomenda, já que ninguém mais veio até a minha porta reclamar do meu filho com medo de ouvir uns palavrões. E todas as vezes que alguém arruma qualquer confusão com meu filho a velha Ludovina parte em sua defesa dizendo ser o coitadinho filho de um lar desestruturado e que não conhece Jesus!
E tudo isso aconteceu sem eu precisar mandá-la Tomar do cu!

Dona Maria Lúcia




Quando mudamos para nossa casa, (digo nossa porque até então morávamos de aluguel), nosso filho estranhou muito a mudança de clima e ficava doente sistematicamente.
Numa dessas andanças de madrugada para levá-lo ao médico fui abordada por uma mãe que, muito preocupada com o estado do meu garoto, veio perguntar qual era o problema dele e eu disse que era asma.
A mocinha então veio me pedir o endereço para mandar a tia com um remédio, do tipo simpatia, para mim. Eu não acredito muito nessa história de simpatia, mas pela pouca idade da jovem e pela boa vontade resolvi dar o meu endereço para ela.
O tempo se passou e ninguém apareceu na minha casa, o que eu julguei ser normal, pois muitas vezes falamos coisas para sermos simpáticos com os outros, não significa que iremos realmente fazer.
Numa tarde fria uma senhorinha, bem pequenina bate a minha porta com o papel onde dei o endereço para a menina numa das mãos e dois embrulhos de papel toalha na outra.
Ela se apresentou e foi dizendo logo o que deveria fazer com cada um dos pacotinhos e foi se despedindo perguntei se deveria pagar alguma coisa e ela foi me dizendo que não, que essas coisas não se cobra e dizendo que na próxima lua minguante traria mais do remédio.
Na lua minguante lá estava a insistente senhora com seus pacotinhos na mão.
Dessa vez eu tinha que fazer algo para ela.
Perguntei de onde ela vinha se era muito longe, se queria dinheiro para a condução e ela disse que morava perto, que tinha vindo a pé e mais uma vez se negou a receber qualquer centavo que fosse de mim. Então ligamos o carro e fomos levá-la em casa.
Quando fomos levá-la em casa descobrimos que aquela senhora andava e muito até chegar até a nossa casa e mesmo assim se negava a receber dinheiro para voltar para casa.
Naquele momento eu percebi que estava diante de uma criatura ímpar, sem igual.
Ao longo do “tratamento” do meu filho fomos criando uma certa intimidade com aquela pessoinha tão linda.
Dona Maria Lúcia, ou Lúcia, como gostava de ser chamada era caseira em um sítio onde o proprietário mantinha um centro espírita (de onde vinha o remédio) e recebia meio salário mínimo para tomar conta e fazer todo serviço da casa. Fazia uns bicos por fora para sustentar 3 netos de uma filha desmiolada que sumira no mundo deixando seus rebentos para ela criar.
Era muito agradável quando ela vinha com o remedinho nas mãos e íamos levá-la em casa.
Nunca aceitou qualquer ajuda financeira para isso, mas se ofereceu para lavar e passar minha roupa por 1,00 a peça, seja ela qual fosse!
As roupas chegavam branquinhas e cheirosas como só a minha avó sabia fazer!
Ela usava folhas de lavanda na última enxaguada para dar aquele perfume inigualável!
Com as roupas eu tinha mais tempo para conversar com aquela pessoa de andar lento e de uma doçura na voz que mesmo as agruras da vida não conseguiu contaminar.
Era de uma sabedoria infinita, embora não soubesse nem mesmo escrever o seu nome (andava com papeizinhos com o endereço de onde deveria ir para perguntar às pessoas) e tinha uma disposição invejável para trabalhar. Andava quilômetros com suas trouxinhas de roupas na cabeça e como era pequenininha!
Durante sete luas minguantes Dona Lúcia trouxe o remedinho para meu filho e durante todo esse tempo tivemos uma relação muito prazerosa.
Sempre fiz o chá para meu filho segundo as suas recomendações sem questionar, sem tirar do pacotinho, afinal, uma pessoa tão bonita não poderia estar querendo fazer mal ao meu garoto, mas sempre fiquei intrigada com seu conteúdo e perguntava para ela, que sempre me dava a mesma resposta: Eu não sei. Quem faz é meu patrão e como ele me entrega eu passo para você.
Na última das sete luas minguantes, eu não resisti e abri para ver o que tinha dentro e tomei o maior susto da minha vida. Os pacotinhos na verdade eram recheados de dormideiras!
Isso mesmo! Dormideiras. Aquelas plantinhas que a gente encontra pelo mato e que se fecha e que na década de 70 o pessoal se drogava com ela.
Devia ter todo um ritual antes daquilo chegar até a minha casa, mas era o que menos me importava naquele momento. A verdade era que durante 6 luas minguantes eu tinha drogado meu filho sem saber.
Perguntei ao meu marido o que deveria fazer ele me respondeu que se ele já tinha tomado 6 vezes e não tinha feito mal, não seria agora que faria.
Certamente nada adiantaria falar com a Dona Lúcia sobre o remédio ou falar que na década de 70 as pessoas se drogavam com aquilo, pois provavelmente nessa época estava em algum sítio longe de todo esse agito e jamais ouvira falar sobre o assunto.
Naquele momento entendi porque dava o remedinho para meu filho e ele dormia o sonho dos anjos. Era chá de dormideira e, como o nome já diz, faz dormir. Nunca tive coragem para pesquisar as aplicações terapêuticas do chá e nunca mais espero ter que usá-las, mas a verdade é que a asma do meu filho desapareceu, a planta onde enterrava os saquinhos morreu e não se falou mais sobre o assunto, até porque eu não recomendaria o tratamento para alguma outra mãe desavisada.
O tempo se passou, meu filho cresceu, os netos dela também, mas até hoje quando a encontro na rua faço questão de abraçar e beijar essa pessoa tão linda que passou pela minha vida.




sexta-feira, 20 de junho de 2008

Ânima


Queria gritar bem alto para o mundo,
Acordar multidões.
Tentar por um instante trazer à tona corações
Afundados em poços de lama escurecida pelo rancor.


Queria colocar o brilho do sol
Nos olhos das crianças
Que vagam a esmo sem sonhos ou esperanças.
Queria de volta o país do amanhã.


Eu mesma vago sem rumo pelas ruas
Como se quisesse encontrar a luz
Como se as trevas tomassem os corações
E encontrasse apenas corpos,
Não almas.


Vagando, vivendo; vivendo e vagando,
Não consigo mais saber.


Queria bem alto gritar
E que meu grito se transformasse em alento, afeto
E o meu corpo se transformasse em luz, em caminho
E que as pessoas pudessem ouvir
E que todos pudessem sonhar.

Casa no Campo (parte 8010?)


Hoje, após me deparar frente a frente com um gambá que estava no meio da minha cozinha, cheguei à conclusão de que preciso urgentemente ir a uma sessão espírita.
Com certeza! Preciso invocar o espírito da Elis Regina e perguntar se ela cantava Casa no Campo por convicção ou sonho.
Com alguns versos eu até concordo. Veja esse, por exemplo: “E tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais”.
Tenho que concordar com esse verso, pois se algum amigo aparecer para te visitar é porque é amigo de verdade, afinal quem quer se deslocar quilômetros para fazer uma visita?
Mas voltando ao gambá... Eu não sei quem estava mais assustado: o gambá mendigo ou eu, pois a última vez que um gambá entrou em nossa casa quebrou o dedo do meu marido, que tropeçou fugindo do bicho.
O bicho estava entrando sistematicamente na minha casa todas as noites para revirar o lixo e não era incomodado e de uma hora para outra se vê diante de uma multidão. Ficou totalmente desconsolado e escondeu a cabeça em uma pilha de garrafas de cerveja, deixando o corpo de fora.
O meu gato, que apanhava todos os dias pela manhã por causa do lixo revirado, se sentiu vingado e saiu aos saltitos atrás do roedor. Parecia até uma bicha felina de tanta felicidade. Enfim, estaria vingado!
Porém sua curiosidade durou o tempo de eu sacudir o pote de ração e trazê-lo de volta.
Para evitar outros maus entendidos, resolvi entrar em acordo com o gambá: Deixo um pouco de resto de comida todos os dias do lado de fora e ele não invade mais a minha cozinha, afinal, descobri não ser um gambá, mas uma gambá que descobriu que ter a sua cria embaixo das minhas telhas era mais confortável do que ao relento.
Esse não é o primeiro problema e nem será o último que uma pessoa extremamente urbana como eu, criada em apartamento e em casas cimentadas até o teto irá enfrentar, com certeza não.
Outro dia ainda me lembrei de outro verso da música: “Eu quero carneiros e cabras pastando solenes no meu jardim”.
Acordei em plena manhã de domingo ouvindo um béééééééé tonitruante. O bode e as cabras do vizinho escaparam e estavam devorando tudo em meu jardim. Nem o Bouganville escapou e olha que o bicho tem tanto espinho que eu xingava até a minha 5ª geração quando tinha que podar. Eu disse tinha porque eles mastigaram tanto que dificilmente voltará a brotar.
E pastavam soberanos porque estavam bem guardados por um bode preto que parecia ter saído do inferno, tamanha a gana que teve em me dar uma corrida.
E as reuniões de família? Ah! Essas tem um sabor todo especial. A gente se reúne na varanda dos fundos e, como a música alta confunde os radares dos morcegos a gente corre o risco de tomar uma morcegada pela cara. Eu já até desenvolvi uma técnica toda especial de deixar para abaixar quando eles estão bem perto e só levantar quando tenho a certeza que tomaram outros rumos. Isso a música não fala.
Mas se tem uma coisa de que posso me orgulhar é que, apesar de ter mosquitos de todas as espécies e cores (tem até azulado), aqui não teve um só caso de dengue! Com certeza os milhares de sapos, rãs, louva-deus, que se alimentam com larvas que se desenvolvem em água parada ficaram muito mais gordinhos nesse verão.
A sapaiada é um capítulo à parte nessa minha Odisséia, pois a primeira noite após cessarem as chuvas ouve-se a cantoria de longe!
Seria até bucólico, não fossem as cobras que vem atrás da cantoria. ‘Inda outro dia ouvi um sapo fazendo um barulho muito estranho e fui no mato olhar e vi que estava sendo estrangulado por uma cobra muito pouco simpática.
Um outro animal que merece um parágrafo na minha Epopéia é o Mico da Cara Preta ou seja lá como o Globo Repórter o denominou. A verdade é que vi a reportagem dizendo que o bicho estava em extinção e eu achei interessante que no Jamelão atrás da minha casa tivesse pelo menos uns vinte. Achava tão bonitinho os assovios que faziam para se comunicar, achei até que eram amistosos. O pior é que eram, até o dia que começaram a roubar garfos, facas e colheres na minha casa.
Não sei se foram eles que deixaram de ser amistosos ou eu, só sei que se eles estava em extinção eu não sei, mas se continuassem a roubar em minha casa certamente estariam extintos.
Outro animal que merece um parágrafo especial na minha Tragédia é o Quero-quero. Eu não entendo porquê um passarinho não gosta de voar. Ele ensaia um pequeno vôo e depois começa a andar aos pulinhos.
O principal problema desses passarinhos é fazer os seus ninhos no chão da pracinha e a tal pracinha ser caminho de passagem para todos que querem sair do condomínio. Todos que passam pelas ruas representam uma ameaça para seus ninhos. Sem contar a garotada que quer jogar bola no campinho e leva com uma bicada de Quero-Quero pela cabeça.
Ainda bem que para o meu consolo os autores da música ainda estão vivos para ouvirem as minhas queixas, pois me sentiria totalmente desolada se eu não pudesse chamar ninguém de mentiroso.
Com certeza morar numa casa no campo não é tão ruim assim, desde que todos os animais medonhos e insuportáveis estejam em extinção.