terça-feira, 22 de março de 2011

Meninos cantores





Hoje me lembrei dos meus tempos de menina quando viajávamos para uma cidadezinha ao sul de Minas chamada Lambari.
Passamos todos os natais da minha infância lá e algumas viradas de ano também.
Todos os anos encontrávamos quase sempre as mesmas pessoas e tentávamos criar laços com essas pessoas, porque na verdade, nenhum de nós tinha  laços familiares fortes para passar o Natal em família.
Ficávamos sempre no mesmo hotel e, quase sempre no mesmo “conjugado”.
Cada um tinha uma desculpa ensaiada para estar passando o Natal lá, mas a verdade é que nós, crianças queríamos estar em qualquer outro lugar, menos ali.
Para uma criança, passar 15 dias em um hotel é uma verdadeira tortura, pois não se pode abrir a geladeira e comer o que quer, tem hora para as refeições, não pode correr, fazer barulho...
Mas quando se mora num apartamento de dois quartos, sem play e sem poder sair na rua para brincar, um hotel com play, piscina e num lugar calmo, onde se pode até brincar em frente, é muito mais do que se tinha na verdade.
Após o jantar, era costume sair para dar um passeio pelo centro da cidade e depois sentar nos bancos em volta do hotel para conversar.
Certo ano, que já não me lembro mais qual era, todas as noites aparecia um dois meninos do local que paravam em frente aos bancos e começavam a cantar em troca de dinheiro.
A princípio o porteiro do hotel “espantava” os garotos como se faz com cachorros: Correndo e gritando passa daqui, mas logo os hóspedes reclamaram e disseram que gostavam de ouvir os meninos cantarem.
Eu achava um absurdo expulsar os garotos da frente do hotel, já que alguns hóspedes traziam instrumentos musicais e se reuniam no mesmo local para cantar suas músicas.
Na época a música sertaneja não havia eclodido e o repertório dos garotos era bem restrito, mas eles cantavam afinadinhos e com muita vontade.
Os meninos vinham sempre no horário em que tinha mais gente em frente ao hotel e a cada dia mais gente parava para vê-los.
Eles eram sujinhos e andavam descalço, mas tinham uma voz afinada. O mais novo era mais envergonhado e cantava baixinho, mas sempre acompanhava o mais velho.
Depois de certa hora, o mais velho recolhia o dinheiro e ia embora dizendo um boa noite tão gostoso de se ouvir que, com o tempo os hóspedes passaram a conversar com eles antes de irem embora.
Os hóspedes compraram sapatos e roupas para os meninos, davam dinheiro para eles, pois sabiam que encerravam a cantoria antes do mercadinho local fechar, pois tinham que levar comida para casa.
Aos poucos, o dinheiro dado era só mais um acessório, pois as crianças levavam quase uma cesta básica todos os dias para casa.
Isso se repetiu por três natais seguidos.
Num Natal, minha mãe separou um monte de roupa para levar para os meninos e, chegando lá, descobrimos que eles tinham desaparecido.
Ninguém sabia informar o que tinha acontecido com eles e eu não entendia como em uma cidade tão pequena, onde as pessoas se cumprimentam e sabem o nome de todos que circulam pela rua, ninguém sabia informar nada sobre os meninos cantores.
Eu gosto de pensar que alguém reconheceu o talento desses meninos e que hoje seus filhos não andam de pés no chão e vivam em busca de trocados.






Imagem: Google

2 comentários:

chica disse...

Lindo conto e linda a tua preocupação.Tomara mesmo que estejam bem! beijos,chica

Bete Nunes disse...

Espantar crianças como se espanta cachorro. Um horror! Eu fico muito brava qdo alguém trata um bichinho dessa forma. E qdo é com crianças (desde que não sejam uns capetas, porque aí deixa que eu mesma espanto...),eu fico também. Não gosto de maus tratos com quem não está fazendo mal a ninguém e com quem nem pode se defender.

Bonita história, Kátia. Final meio misterioso...

bjos!