sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Fila de banco



Marcelo e João eram amigos de longa data, foram vizinhos por anos em um bairro do subúrbio de Niterói, Rio de Janeiro.
Na verdade, chegaram a ser tão chegados que João deu seu filho mais novo para Marcelo batizar.
Porém, Marcelo foi promovido e mudou-se com a família para um bairro de classe média alta e os dois já não se encontravam há anos. Quando muito, Marcelo depositava uma quantia na conta de João, na época do aniversário de seu afilhado.
Os anos se passaram, os dois envelheceram, as crianças cresceram e foi justamente na época do aniversário do Marquinhos, afilhado de Marcelo, filho de João, que os dois vieram a se encontrar na fila de um banco.
Primeiramente, Marcelo se sentiu envergonhado e constrangido por passar anos sem sequer voltar a ver seu afilhado, depois se lembrou de que o amigo tinha o seu endereço e telefone e também nunca mais o procurar, mesmo dizendo que o considerava como um irmão.
Os dois se cumprimentaram emocionados, abraçaram-se e começaram a dialogar sobre coisas triviais como a fila do banco que parecia não andar, depois sobre a vida que, primeiro nos rouba tempo para fazermos o que gostaríamos e depois, nos rouba a saúde para fazer o que desejamos.
Depois de algum tempo em silêncio, Marcelo retoma a conversa perguntando sobre os meninos de João:
- E aí João? E os seus filhos? Já estão crescidos, não é mesmo? O que estão fazendo da vida?
João adquiriu ares de orgulho e responde para Marcelo:
- Meu filho mais velho é engenheiro!
- É mesmo! Respondeu Marcelo.
- Sim senhor! Tem mestrado e doutorado na Alemanha!
Por um momento Marcelo pensa sobre seus dois filhos: A filha já estava descasada pela segunda vez e voltou a morar em sua casa com seus quatro filhos. Seu filho mais novo mudou-se para os EUA é era imigrante ilegal e vivia tentando juntar dinheiro para voltar para o Brasil.
Depois de uma longa pausa, Marcelo resolveu perguntar sobre os demais filhos de João:
- João, você tinha mais dois filhos. Também estão formados?
João enche o peito mais uma vez de orgulho e responde:
- Meu filho do meio é médico neurologista! Com doutorado na Espanha!
Marcelo lembrou de todo dinheiro que gastou na educação dos filhos no Colégio Salesiano de Sta. Rosa, nos cursos de inglês, informática. Lembrou-se da imagem da filha com 100 quilos a mais, 4 crianças em colégios públicos e do filho cabeludo, tatuado, fugindo da imigração norte americana.
Marcelo sentiu até certo medo em perguntar sobre o afilhado que, tão generosamente quanto a vida lhe permitiu, havia agraciado com pomposas quantias em sua data natalícia.
Depois de uns bons minutos de silêncio, Marcelo resolveu perguntar sobre o afilhado, afinal, ele investira em seu futuro e seria uma satisfação pessoal saber que, pelo menos uma vez o seu dinheiro tinha sido investido em algo que realmente valeu à pena:
- E o meu afilhado?
Marcelo fez a pergunta com um sorriso no rosto esperando uma que o amigo respondesse com todo entusiasmo desse mundo, mas o amigo fechou a cara, fez-se sisudo, quase não querendo responder, mas, pela insistência do amigo, respondeu após um suspiro profundo:
- Rapaz, esse é o meu desgosto!
- É mesmo! Mas por quê?
- O Marquinhos nunca quis nada com nada, mal terminou o ensino médio. Só terminou porque fez supletivo. Montou uma quitanda e resolveu trabalhar...
Marcelo, que desanimado por perceber que o seu dinheiro não servira para nada, além de desvirtuar o futuro de todos, percebeu que precisava fazer a pergunta derradeira, aquela que deveria ser o limite entre o suicídio e continuar em sua vida vegetativa:
- Mas pelo menos a quitanda vai bem?
João dá mais um suspiro e responde:
- Vai, vai bem sim. Está dando para sustentar os três.

3 comentários:

Carla Fernanda disse...

Boa tarde kátia! Bela história de vida. Acho que não existe nada mais interessante do que a biografia humana.
Beijinhos e bom final de semana!!!
Carla Fernanda

Anônimo disse...

Querida Carla

Pessoas são ótimas quando observadas e analisadas!

Carla Fernanda disse...

Bioa tarde Kátia!! Quando eu mudei para o nordeste foi terrível, eu não gostava de NADA. Nem de comida, nem de coisa nenhuma. Chorei, chorei muuuito.
Agora, depois de 23 anos a gente se acostuma e acaba gostando. tem muitas frutas diferentes por aqui. Apareça um dia para visitar.
beijinhos e feliz natal!!
Carla Fernanda