terça-feira, 2 de junho de 2009

Dona Alda

Era para ser um dia comum, uma insuportável segunda-feira.
Eu me levantei bem cedo e fui dar aulas no coleginho que montei com uma amiga.
Segunda-feira já é um dia chato, agora imaginem tendo de aturar “aborrecentes e rebeldes sem causa”?
Pedi muito para não trabalhar nesse dia, pelo menos pela manhã, mas não houve jeito.
Naquele dia ainda estava muito chateada, pois o clima não andava lá muito bom na escolinha.
Dei aulas a manhã inteira! Eram 3 turmas, sem direito a um descanso sequer.
Cheguei em casa correndo, como sempre, corri para o fogão para esquentar a comida para o meu filho, almocei em pé ao lado da pia e nada do moleque chegar.
Eu não podia esperar senão ia me atrasar para as aulas do turno da tarde.
Já estava quase me desesperando quando ouvi alguém aplaudindo no meu portão.
Na hora sabia que só podia ser algum problema com o meu filho. Ele está sempre aprontando, principalmente quando estou trabalhando fora de casa.
Corri para atender e era a Dona Alda velha mais velha do condomínio! Dona Alda é tão velha, mas tão velha que foi garçonete na santa ceia.
A Dona Alda não andava, arrastava os pés, não falava, grunhia.
Olhei em volta para ver se não havia mais ninguém com ela, pois era quase um milagre aquela criatura sair da última rua do condomínio e vir parar na minha porta. Nada, ela estava sozinha.
Depois do espanto, falei um seco e ríspido “pois não” para não dar muita margem para conversa.
Ela me olhou com seus olhos arregalados e disse:
- Seu filho está falando palavrão na minha porta!
Num misto de alegria e euforia por finalmente saber onde meu filho estava perguntei:
-Mas ele está na frente da sua casa, onde?
-No pé de Jamelão.
Estava explicado. A criatura cultivava um maldito pé de Jamelão num terreno do vizinho como se fosse seu.
Todos os dias ela pegava um regador e molhava o bichinho com se ele precisasse daquelas míseras gotas de água.
O pior é que o fruto que o bendito dava era o maior de todo o condomínio!
Aliás, Jamelão é o que não falta por aqui, mas a molecada gostava mesmo de atormentar a velha e roubar os frutos que ela nunca vai comer, pois mal conseguia levantar os braços, quanto mais colher os frutos.
E se a gente parar mesmo para pensar, o Jamelão é uma frutinha tão besta que não se vende nem nos mercados e mercearias!
Além de tudo deixa a língua azul!
Respirei fundo e falei:
-Se ele está na frente da sua casa, manda ele entrar que eu brigo com ele.
Por um único segundo eu fiquei feliz, pois ela o mandaria para casa, eu daria todas as instruções para o restante do dia e caso resolvido.
Entrei rapidamente para lavar a louça que sujei e ouvi, novamente, alguém aplaudindo no meu portão.
Eu não acreditei quando via a Dona Alda parada na minha porta!
Não era possível! Aquela velha não foi se arrastando até a última rua e voltou em tão pouco tempo!
A velha, não sei se por esquecimento ou por caduquice, foi logo dizendo:
-Seu filho está falando palavrão na minha porta!
Respirei mais fundo e falei incisivamente:
-Se ele está na sua porta, manda ele entrar que a Mãe dele está chamando.
Dessa vez eu fiquei parada no portão porque tinha que me certificar de que ela ia realmente até o final do condomínio.
Acompanhei o seu movimento até mais da metade da rua, pois estava prá lá da atrasada e tinha mais uns 50 “aborrecentes” me esperando.
Quando não agüentei mais o sofrimento de ver aquela figura se arrastando vagarosamente por entre o barro da rua, entrei.
Foi só eu entrar e não demorou nem 5 segundos e ouvi, de novo, alguém aplaudindo.
Não era possível!
Quem era, realmente, a Dona Alda?
Um ET, uma bruxa ou um ex-men?
Ela só podia ter uma identidade secreta!!
Nem bem cheguei ela desatou a falar:
- Seu filho está falando palavrão na minha porta!
Já com a bolsa pendurada no ombro, trancando a porta, respondi:
- PORRA, PUTA QUE O PARIU, CARALHO! Já disse para esse moleque não falar palavrão!
Nunca mais vi Dona Alda, mas sei que ela espalhou que nada adianta reclamar do meu filho para mim porque eu tenho a boca muito suja.
Tenho que confessar que a vida tem sido muito mais tranqüila.

6 comentários:

Maria Betânia disse...

Kátia, amei ver a história da velha do jamelão, uma graça mesmo...
Não há como não imaginar a cara da velha apavorada diante do desfile de palavrões...rs
E quer saber? ela não era caduca não...
Queria que vc fosse lá, largasse tuas urgências e fosse livra-la daquela situação...

Anônimo disse...

Beta
As pessoas são assim, acham que as suas emergências são mais importantes do que as dos outros.
Por isso amo meus bichos e plantas.

Maria Betânia disse...

Tu tá é mais q certa, brindemos aos bicho tudim!
Te gosto magrela!

Anônimo disse...

Tem hora que palavrão é uma bela catarse!

Denise F. disse...

Fiquei até com vontade de ficar com a lingua Azul!

Anônimo disse...

É só vir para cá que agora estão carregadinhos!