quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Quando alguém realmente morre?



Ontem morreu a minha melhor amiga. Cometeu suicídio.
Foi uma coisa tão inesperada, pois ninguém, além de mim, sabia que ela teria coragem de fazer.
Mas o que me pergunto é: “Quando uma pessoa começa a morrer?” Quando uma pessoa se considera tão morta que tanto se faz se está ou não?
Ana não estava mesmo entre nós há muito tempo! Vivia deprimida, pelos cantos, já não conversava com ninguém.
De tanto insistir, consegui que se abrisse comigo algumas vezes, mas nunca falava completamente o que sentia.
O fato é que, ao se casar, Ana não sabia que o marido tinha tendências sadomasoquistas e, embora não praticasse com ela, a obrigava a ver cenas de vídeos, gravuras, fotos, como se fosse algo muito natural.
Ana o presenciava se masturbando ao ver filmes e se sentia humilhada.
De certa forma, João fazia com ela o que aqueles homens horríveis faziam com as mulheres, só que não fisicamente, apenas psicologicamente.
Ele a humilhava vistosamente.
Ana tentou dizer que isso a incomodava e que não precisava fazer isso de maneira tão acintosa, mas João parecia se divertir em se impor a ela.
E não foi apenas dessa maneira que ele se impôs a ela. Já não perguntava se podia mudar o canal de TV ou se podia usar o computador, apenas o fazia como se ela não fosse sequer uma pessoa.
Após revelar sua tendência à esposa, João não fazia mais questão de esconder isso de ninguém. O problema é que não explicava como administrava isso perante a família: Era uma verdadeira obsessão!
Assim que acordava, ligava o computador para visitar sites onde baixava vídeos e mais vídeos que depois eram convertidos em DVDs.
As coisas chegaram a um ponto em que João só conseguia transar com Ana após assistir um de seus DVDs. O grande problema é que Ana não conseguia mais transar após ver uma série de mulheres sendo espancadas e sangrando até a morte. Não transavam mais.
Ana sofria tudo calada.
Ninguém, além de mim, notou quando surgiram as primeiras marcas em seu pulso. Talvez tenha sido uma primeira tentativa de acabar com seu sofrimento.
Ninguém mais se mata cotando os pulsos. Até porque não é todo mundo que tem uma banheira em casa para acelerar a coisa toda.
Várias eram as maneiras que João usava para torturar Ana.
Quando Ana não queria fazer algum curso ou não queria prestar algum concurso público, João a acusava de ser covarde e a pressionava até que ela fizesse, mesmo que contraria. E, quando não ia bem, fazia chacota de seu fracasso.
Sua solidão era algo insuportável, mas Ana já tinha se acostumado com isso. Como se toda essa dor fosse a única coisa que ela merecesse na vida.
Ana já não estava viva há muito tempo. Qualquer traço de personalidade tinha sido apagado.
Apenas o que João importava era o que prevalecia.
Não a torturava com chicotes ou pregos, mas não permitia que sua personalidade existisse. A subjugava em todos os sentidos. Fazia mentalmente com Ana mentalmente o que via o que os doentes faziam com as mulheres dos filmes.
Eles tentaram terapia, mas João conseguiu convencer a terapeuta que talvez ele tivesse sido molestado quando criança, por isso se portava dessa maneira. Também a convenceu de que não passava o tempo todo apenas fazendo isso, Ana é que era possessiva e que queria atenção o tempo todo. Só não conseguiu definir qual o tempo que passava com sua família.
Ana desistiu da terapia antes de João, o que a fez parecer mais doente que ele.
E na verdade estava, pois era vítima de seus desvios de conduta.
Após a terapia, as coisas ficaram ainda pior para Ana, pois ela “teria sido incapaz de lidar com seus traumas”. Era covarde!
Passei os últimos anos ao seu lado ouvindo sua história.
Via Ana “se esquecer” até de tomar banho.
Vi Ana se transformar em uma pessoa triste e sem vida. Alguém que não se importava mais com nada, nem com ninguém.
Ontem todo esse sofrimento chegou ao final e talvez Ana possa descansar dessa vida insana que vinha levando.
João sugou todas as suas energias e não havia mais razão para Ana viver.
Não vou ao seu velório ou enterro. Não suportaria ver João se gabando por ter conseguido seus objetivos.
Descanse em paz, amiga e companheira.
Adeus.

3 comentários:

Maria Betânia disse...

Dizem os poetas que alguém morre quando deixa de sonhar...
Talvez os filósofos digam que se morre quando abdica de sua autonomia...
Amo os poetas, mas admiro os filósofos, junto-me á eles quando não creio ser possível viver através do outro anulando-se gradualmente...
Isso é morrer.
Quem não tem opnião própria ou a tem e não a expoem, ou a expoem e não a defende com garra.
Este alguém esta morrendo.
Esta morrendo quem se permiti prostituir das múltilpas formas possíveis...
Morrendo esta quem se permite sonhar os sonhos dos outros.
Quem não desbunda, quem não manda ás favas aqueles que o incomodam
ou não faz uma catarse dizendo uma dúzia de palavrões.
Então, Ana morreu.
Mas Kátia vive.

Roderick Verden disse...

Eu estou morto há muitos anos, muitos mesmo! Mas a vida, o destino, nos dá prazeres, sonhos que servem para preencher o vazio da existência.Tudo fugaz, lógico, tudo ilusão. Eu estava bem morto, mas parecia ter me ressuscitado ao me apaixonar novamente, depois de tantos anos. No entanto, tudo foi em vão, estou morto de novo!

Roderick Verden disse...

Ah, o João deveria ser assassinado!
Ana, por coincidência, xará da minha saudosa mãe, que morreu em 29.08.2008. E ela, q foi durante muito tempo, uma mulher cheia de vida, já estava morta antes de morrer literalmente, graças aos mais de 10 anos de união com seu segundo e último companheiro e à sua complicada família(família dele)